top of page
PedacinhosIslandGeralWeb-0007.jpg

Vista da exposição pedacinho’s Island, 2023, Complexo Cultural Funarte, São Paulo/SP. Foto: Samuel Esteves.

pedacinho's island​​

​​

 

 

juntou-se muita gente
para ver o que era


uma grande procissão de dinossauros de plástico, sobras de festinhas
infantis, patinhos de borracha que morreram na banheira e bandeirinhas de
cores diversas escoltam fielmente mensagens na garrafa que foram jogadas
no mar há muito tempo por adolescentes. atravessam com força, calma e
persistência milhares e milhares de quilômetros por linhas invisíveis até
alcançar seu destino: um conglomerado de dejetos e lembranças pueris na
forma de ilhotas artificiais na imensidão do oceano

 

permeiam os sonhos das sereias
diminuem a solidão das estrelas, das algas e dos corais
provocam o sono profundo dos peixes que são enganados pela boca

 

tudo é eterno, as coisas só quebram em pedacinhos menores:
o plástico vira glitter e o papel vira confete

 

talvez seja possível encontrar no mar os restos do que já fomos:
cartinhas de primeiro amor
câmeras da barbie
a embalagem daquele doce que não existe mais
o ursinho de pelúcia desaparecido
ou
qualquer outro brinquedo perdido na rua da infância
todos juntinhos em um grande abraço numa ilha de lixo

pela memória afetiva e pela nostalgia grudada no microplástico abundante
na biosfera que


juntou-se muita gente
para ver o que era

 

pedacinho’s island
 

como agarrar as memórias da infância (em afeição, ferramenta, ou arma)
que escapam pelos dedos como a areia falsa do outro lado de um triturador
industrial?
qual o futuro das lembranças quando nos tornamos grandes demais para
elas?
o que sobra dos objetos e relicários esquecidos?
se transiciono, eu largo meu vestido velho ou a bermuda com a qual jogava
futebol?
para onde vão esses antigos alvos de carinho quando — ao passar dos anos
— já não me servem mais?

 

tudo é eterno, as coisas só quebram em pedacinhos menores.
 

tudo é eterno
e da reunião do glitter com confetes e dejetos das nossas memórias
engendramos — com potência fatal — os restos:
o Frankenstein acontece de pequenos cadáveres
e o sol da conciliação de poeirinhas

 

para ver o que era

​​

Céu Isatto e Natha Calhova, 2023

pedacinho's island foi uma exposição coletiva que aconteceu na Galeria Mario Schenberg do Complexo Cultural Funarte São Paulo, no período de 2 de setembro a 1º de outubro. A exposição reuniu obras de pintura, desenho, escultura e instalação, entre outras técnicas, criadas por 18 artistas, originários dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O tema é "o descarte, dejetos, da fragmentação e do reaproveitamento de significados antes perdidos". Por meio do conjunto, pretende-se "traçar um paralelo com o esfarelamento dos símbolos e memórias de infância e adolescência". Para isso, os artistas utilizam microplástico, além de "objetos esquecidos" com significado afetivo, tais como bonecos, ursinhos de pelúcia, embalagens de doces e outros.

A curadoria é assinada por Yuki Zarate, Natha Calhova, Lívia Liu, Céu Isatto, Luna Girão e Luah Souza.

© Michel Au Hasard 2025

bottom of page